Você conhece as grandes personalidades da conservação? Ao longo dos anos, pudemos contar com alguns heróis que deram início a grandes ideias ou tiveram papéis importantes em determinados projetos de proteção ao meio ambiente. Seus princípios e histórias de vida são uma inspiração para nós, que formamos uma enorme corrente a favor da natureza.
Vamos explorar a história desses gigantes aqui em nosso blog. A informação é nossa principal arma. Por meio dela, desejamos munir a população de conhecimento, inspirar cidadãos e trazer o maior número de pessoas para o “lado verde da força”.
Hoje iremos conversar sobre Milton Thiago de Mello. Ele foi um dos grandes nomes da medicina veterinária no Brasil e no mundo, cuja carreira científica e dedicação à saúde pública marcaram um antes e depois na forma como entendemos a relação entre a saúde humana e animal. Desde o início de sua trajetória acadêmica, Milton se destacou pela brilhante capacidade de pesquisa e por sua habilidade em conectar a teoria científica à prática no campo da medicina veterinária. A sua atuação foi decisiva para transformar a saúde animal em uma prioridade nas políticas públicas de saúde do Brasil, com ênfase no controle de doenças zoonóticas, como a brucelose. Este é só o início da sua trajetória incrível, descubra mais lendo o blog.
Quem foi Milton Thiago de Mello?
Nascido em 5 de fevereiro de 1916, no Rio de Janeiro, Milton Thiago de Mello teve uma formação sólida, completando sua graduação na Faculdade Nacional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro. Após concluir seus estudos, ele seguiu para uma carreira acadêmica que o levaria a se tornar professor e pesquisador na Universidade de Brasília (UnB), onde contribuiu significativamente para a formação de novas gerações de profissionais da saúde veterinária.
Milton, um educador apaixonado, que entendia o papel da academia não só na produção de conhecimento, mas também no treinamento de profissionais capacitados para lidar com os desafios emergentes nas áreas da medicina veterinária e saúde pública.
Veterinário Milton Thiago de Mello. Foto: © Isadora Ferreira /ONU Brasil
A obra de Milton Thiago de Mello, especialmente seus estudos pioneiros sobre zoonoses como a brucelose, é um exemplo claro de como sua pesquisa influenciou políticas públicas de saúde e agropecuária no Brasil. Seu legado vai além dos livros e artigos publicados, ele construiu uma ponte entre a ciência e a sociedade, deixando um impacto duradouro na medicina veterinária e na saúde pública mundial.
Sua visão sobre a interdependência entre a saúde dos animais e a dos seres humanos foi revolucionária, se aproximando do que entendemos como o conceito de “Uma Só Saúde” (One Health).
Na próxima seção vamos entender como ele revolucionou a ciência veterinária e ajudou a moldar a saúde pública moderna.
Carreira científica e contribuições
Milton percebeu, antes de muitos de seus contemporâneos, que as doenças zoonóticas não poderiam ser estudadas isoladamente, uma vez que sua disseminação envolvia interações complexas entre seres humanos, animais e o meio ambiente. Esse conceito de One Health foi adotado globalmente pela Organização Mundial de Saúde Animal e outras entidades de saúde pública como uma estratégia essencial para o controle de doenças transmitidas entre animais e seres humanos.
Além disso, Milton Thiago de Mello também foi um pioneiro na utilização de técnicas laboratoriais para diagnosticar e controlar doenças que afetavam tanto a saúde pública quanto a agropecuária.
Em entrevista para a FAPESP, Milton trouxe também a sua contribuição para a pesquisa em penicilina:
“Eu tive várias etiquetas na minha carreira: a da brucelose, a da penicilina, a dos macacos. Quando entrei no Instituto Oswaldo Cruz, fui estudar fungos causadores de doenças no Laboratório de Micologia. Em 1928, Alexander Fleming [1881-1955], que era microbiologista escocês, pouco conhecido, observou que havia um fungo que impedia estafilococos de crescer e publicou o achado. Anos mais tarde, veio a Segunda Guerra Mundial e, com ela, o desafio de tratar soldados feridos com infecções. E havia dois supercientistas na Inglaterra, Howard Florey [1898-1968] e Ernst Chain [1906-1979], que resolveram explorar aquilo e fazer um líquido que matava micróbios. Chamaram o líquido de penicilina, porque partia de um fungo chamado penicílio. Nessa altura, em 1944, eu estava no tal laboratório, já era um cientista conhecido, e sugeri: “Por que não fazemos a mesma coisa que o Florey e o Chain fizeram?”. Produzimos a penicilina no porão do Instituto em 1945, eu e mais dois colegas, Amadeu Cury [1917-2008] e Masao Goto [1919-1986], médicos recém-formados. Colocamos o antibiótico em garrafões grandes. Com esse líquido bruto, médicos do Instituto Oswaldo Cruz salvaram muitas pessoas que tinham contraído uma doença chamada bouba, que ataca a boca. Achamos que aquilo não tinha importância, nem nos demos ao trabalho de publicar. O tempo passou, meus colegas morreram e eu é que sobrevivi com a etiqueta de sujeito que fez pela primeira vez a penicilina no Brasil.”
Outra contribuição é seu trabalho sobre brucelose, doença bacteriana que afeta o gado e pode ser transmitida aos seres humanos, que foi um marco no desenvolvimento de estratégias de controle e prevenção dessa zoonose. Que tal entendermos mais sobre essa doença?
Brucelose
Milton foi um dos primeiros cientistas a sistematizar as formas mais eficazes de controle da doença, utilizando novos métodos de diagnóstico e propondo estratégias de vacinação e erradicação. Seu impacto na medicina veterinária não foi restrito ao Brasil, ele influenciou a forma como outros países abordam as doenças zoonóticas e colaborou com organizações internacionais na criação de protocolos de controle de epidemias.
Foi uma das grandes bandeiras de Milton Thiago de Mello ao longo de sua carreira, e seu trabalho nessa área é fundamental para entendermos a importância da prevenção e controle de doenças zoonóticas.
Quando Milton iniciou seus estudos sobre a brucelose, a doença já era um problema grave para a saúde pública e para a pecuária, principalmente no Brasil, onde afetava diretamente a produção de leite e carne. No entanto, o entendimento científico sobre a doença ainda era rudimentar e a necessidade de estratégias mais eficazes de diagnóstico e controle era urgente.
Milton se dedicou ao estudo da doença e também liderou ações e campanhas para aumentar a conscientização sobre a importância da vacinação e da detecção precoce.
Existem diferentes tipos de brucelose. Entenda qual a diferença entre brucelose bovina e humana. Em bovinos, é causada principalmente por Brucella abortus, resultando em problemas reprodutivos como abortos e infertilidade, sendo transmitida entre animais pelo contato com secreções contaminadas.
Já em humanos, costuma ser causada por B. melitensis ou B. abortus, adquirida por ingestão de produtos de origem animal não pasteurizados ou contato direto com animais infectados. Enquanto nos bovinos o foco é o controle por vacinação e biossegurança, em humanos o tratamento envolve antibióticos, devido a sintomas graves como febre, dores musculares e articulares, e possíveis complicações crônicas.
Entenda o ciclo de transmissão por meio desse esquema da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES – DEF).
Ciclo de transmissão da brucelose. Arte: Rafael Ottoni | Reprodução Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES – DEF)
O artigo de revisão publicado por Milton em 1950 se tornou uma obra pioneira na área, reunindo dados e informações sobre a epidemiologia da brucelose, seus impactos econômicos e sociais, e as melhores formas de prevenção.
Sua abordagem científica e sua visão inovadora também influenciaram a política pública de saúde animal no Brasil, levando à criação de programas de erradicação da brucelose que impactaram positivamente a produtividade da pecuária nacional.
Além disso, o trabalho de Milton Thiago de Mello sobre brucelose teve repercussões internacionais, sendo amplamente citado por outros pesquisadores e adotado por países que enfrentavam problemas semelhantes.
Ele participou de diversas conferências e seminários sobre o tema, sempre buscando compartilhar seu conhecimento e fortalecer a colaboração entre cientistas, veterinários e profissionais da saúde pública. Seu legado no combate à brucelose perdura até hoje, com muitas de suas recomendações ainda sendo utilizadas como base para as políticas de controle da doença em diversas partes do mundo.
Carreira internacional de Milton Thiago de Mello
Provavelmente nesse ponto do texto você já deve ter notado isso. Milton Thiago de Mello consolidou seu nome entre os maiores cientistas da medicina veterinária mundial.
Sua expertise e suas pesquisas, especialmente no campo da brucelose e outras zoonoses, tornaram-no um interlocutor importante nas principais organizações internacionais até na Organização Mundial da Saúde (OMS).
Confira o texto da ONU “76 anos de história da OMS em uma vida”.
Milton Thiago de Mello em reunião da associação de aposentados das Nações Unidas no Brasil. Foto: © AAFIB
Ao longo de sua carreira, Milton participou de missões de pesquisa e consultoria em vários países, sempre com o objetivo de melhorar as práticas de saúde pública e veterinária. Ele foi fundamental na criação de protocolos de vigilância e controle de epidemias, especialmente em regiões onde a brucelose e outras doenças transmitidas de animais para humanos eram prevalentes.
Recebeu cerca de 20 menções honrosas e prêmios, entre os quais, do Comité Français de l´Associaciation Mondiale Vétérinaire, The World Veterinary Epidemiology Society, da Sociedade Colombiana de Primatologia, The John Simon Guggenheim Memorial.
Foi membro da Real Academia de Ciências Veterinárias, da Academia Nacional de Agronomia y Veterinaria, The American Academy of Microbiology e do The New York Academy of Sciences.
Seu trabalho com o governo brasileiro também ajudou o Brasil no controle de zoonoses para melhoria das condições de saúde pública e para o fortalecimento da economia agropecuária nacional.
Seu legado é eterno, seu conhecimento fica, porque infelizmente, depois de 108 anos, Milton Thiago de Mello faleceu.
A morte de Milton Thiago de Mello
Milton Thiago de Mello faleceu em 2024, deixando para trás um patrimônio de conhecimento imenso de contribuições científicas e impacto social.
Sua morte representou uma perda irreparável para a medicina veterinária, a saúde pública e todos os profissionais que, de alguma forma, foram influenciados por sua obra.
Sua partida também deixou um vazio no mundo científico, pois a sua capacidade única de integrar conhecimento teórico com soluções práticas para problemas urgentes era rara.
Contudo, o trabalho de Milton Thiago de Mello permanece vivo em suas publicações, nas gerações de alunos que ele formou e nas políticas de saúde pública que ele ajudou a estabelecer.
Hoje, muitos dos programas de controle de zoonoses e de promoção da saúde animal e humana que Milton ajudou a criar ainda estão em funcionamento, com resultados concretos na melhoria das condições de vida de milhões de pessoas ao redor do mundo.
O exemplo de sua dedicação à ciência e à saúde pública deve ser uma inspiração para todos que trabalham nas áreas de saúde e medicina veterinária. Milton Thiago de Mello, com seu compromisso inabalável com a ciência e a saúde da população, continuará a ser uma referência eterna para todos os que desejam fazer a diferença no mundo.
Honre o legado de Milton Thiago de Mello e continue entendendo sua importância para o Brasil e o mundo.
Entrevista FAPESP: Milton Thiago de Mello: Memórias afiadas de um centenário
Podcast entrevistando Mil Thiago de Mello
Reportagem G1: Professor que ‘lançou’ penicilina no Brasil faz 100 anos e publica livro
Milton Thiago de Mello publicou 224 textos, entre artigos e livros científicos.
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