Na remota Ilha da Trindade, no Espírito Santo, as últimas aves da espécie Fregata trinitatis lutam pela sobrevivência. Nos últimos 500 anos navegadores que utilizavam o local como ponto de parada entre a América e a África queimaram árvores e trouxeram animais como ratos, cabras e porcos. A vegetação foi destruída, as aves terrestres que dependiam de plantas para a alimentação foram totalmente extintas. A fragata-de-trindade se alimenta de peixes e é capaz de voar grandes distâncias sem pousar em terra firme, por isso conseguiu resistir. O problema é que ela depende de árvores para se reproduzir. Sem um lugar para construir ninhos, a população começou a diminuir. Hoje existem menos de 30 indivíduos e a espécie se encontra criticamente ameaçada de extinção.
Para tentar mudar essa história, pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, desenvolveram ninhos artificiais com uma plataforma para as aves pousarem e colocarem gravetos. Eles serão instalados na Ilha da Trindade em postes que irão simular o papel das árvores. Alguns dos ninhos terão fragatas-de-trindade empalhadas e emitirão sons da espécie acasalando para estimular a reprodução das aves reais.
A ideia é que as fragatas se sintam atraídas pelos sons, cheguem perto para investigar, vejam as aves empalhadas e percebam que elas podem utilizar os postes para a construção de ninhos sem nenhum problema.
Projetos com ninhos artificiais para fragatas já tiverem sucesso em outras partes do mundo, mas essa é a primeira tentativa no Brasil. Para a analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres, Patricia Serafini, essa pode ser a última chance da espécie. “Nós precisávamos de uma estratégia rápida e acabamos optando pelos ninhos artificiais. É a primeira vez que esse projeto é testado no país, então, ainda não sabemos qual será a taxa de eficiência. Iremos adaptar de acordo com o comportamento das aves”, explica.
Outras aves como a fragata-grande, a noivinha, o petrel-de-trindade e o atobá-de-pé-vermelho também serão beneficiadas pelo programa. Para a pesquisadora, a forma ideal de garantir a continuidade das espécies seria por meio de uma restauração da vegetação natural, com translocação de mudas. Porém, o processo poderia demorar décadas e só estaria pronto quando as aves possivelmente já estivessem extintas. Mesmo assim, enquanto ornitólogos tratam das aves, botânicos e outros cientistas trabalham na recuperação da flora local, com a transposição de mudas para as ilhas. Segundo Serafini, as cabras foram retiradas da região em 2005, mas outras espécies invasoras, como os ratos, ainda são um desafio.
Para uma recuperação total é preciso proteger a vida marinha ao redor das ilhas. Hoje o arquipélago é uma Área de Proteção Ambiental, restringindo a pesca em determinadas regiões consideradas essenciais para o desenvolvimento das espécies, visando um equilíbrio ecológico. Atualmente, as atividades na região são fiscalizadas pela Marinha brasileira.
De acordo com o coordenador de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, Robson Capretz, ações de conservação da ilha já foram iniciadas no passado, mas no momento são necessárias estratégias para garantir a presença das espécies endêmicas no futuro. “Trabalhar com ilhas é super importante porque o fato de estarem isoladas pelo mar torna aqueles ecossistemas muito frágeis. Por isso, um grande trabalho de fiscalização deve ser feito por governo, Marinha e pesquisadores, para proteger esses ecossistemas nas unidades de conservação recém-criadas. Ainda assim é preciso fazer um diagnóstico da vegetação, dos ninhos e das aves para garantir a reprodução e a sobrevivência das espécies”, ressalta.
Essa iniciativa é essencial para melhorar a situação das fragatas-de-trindade e retirar a espécie da categoria criticamente ameaçada de extinção. Estamos torcendo para dar certo.